sexta-feira, 27 de março de 2015

A Doutrina da Eleição: Calvinismo, Arminianismo e o Equilíbrio da Doutrina Batista

Prof. Dr. Jorge Pinheiro[1]

Algumas questões metodológicas
Em primeiro lugar devemos ver a relação entre teologia e doutrina. A teologia é uma construção racional, lógica, que parte de dois princípios: o princípio arquitetônico, que é a revelação, a palavra de Deus; e o princípio hermenêutico, instrumental, que fornece equipamento técnico para a análise do texto escriturístico.
A teologia serve assim, a partir desses dois princípios, um divino e outro humano, para contextualizar a palavra de Deus e responder aos desafios do tempo presente, armando e fortalecendo a igreja. Apesar desse importante serviço, a teologia é sempre passageira e precária. Não é revelação.
Já a doutrina é fundamento bíblico que norteia nossa fé e ordem. Não tem base nos arrazoados de grandes teólogos, mas na revelação. Nesse sentido, teologia e doutrina são diferentes. E nós devemos entender isso.
Em segundo lugar, devemos saber que quando o infinito cruza com o finito surgem questões impossíveis de serem respondidas a contento a partir de nossa perspectiva finita. Entre esses podemos citar a encarnação, a kenosis e a ressurreição de Cristo. Uma outra questão difícil, por implicar nesse cruzamento da infinitude da soberania de Deus e a liberdade de escolha da imago Dei, é a teologia da eleição.
Nesse sentido, há teologias, como a calvinista, que olham esta questão difícil da eleição a partir do infinito, de cima, exclusivamente. E há outras teologias, como a arminiana, que olham esta questão difícil da eleição apenas a partir do finito, de baixo.
Mas há uma outra maneira de olhar a questão da eleição, a partir da humildade do reconhecimento que estamos diante de um cruzamento do divino com o humano, do infinito com o finito, daquilo que está em cima com aquilo que está em baixo. E é exatamente esta perspectiva, humilde, bíblica e, por isso, doutrinária que orienta o pensamento batista nesta difícil questão.
A teologia da eleição segundo Lutero
Para entendermos a teologia da eleição no calvinismo e no arminianismo temos que começar a partir da visão de Lutero. A compreensão de Lutero tem por base a sua leitura da Carta de Paulo aos Romanos, e a partir daí de sua teologia da cruz. Segundo Walther von Loewenich, um especialista na vida e obra do reformador alemão, “a teologia da cruz é o princípio de toda a teologia de Lutero. Ela não pode ser limitada a um período particular de sua teologia.”[2]Nessa teologia, Deus vem até aqui embaixo e a expiação acontece quando Deus chega até o ser humano, que vive sob a ira da lei. Deus é satisfeito, aplacado, quando o movimento divino em direção ao humano resulta em fé. Ocorre, então, uma “alegre troca”: Jesus toma a natureza pecaminosa e entrega ao ser humano sua vida justa e imortal. E nessa teologia da cruz de Lutero está embutida a primeira compreensão que a Reforma fez da eleição de Deus.
Para Lutero, conforme expôs no Prefácio a Carta de Paulo aos Romanos, “você deve seguir o raciocínio desta carta na ordem em que é apresentada. Fixe sua atenção, primeiro que tudo no Evangelho de Cristo, de maneira que você possa reconhecer seu pecado e a Sua graça. Então lute contra o pecado, conforme os capítulos de um a oito tem lhe ensinado a fazer. Finalmente, quando você chegar ao capítulo 8, debaixo da sombra da cruz e do sofrimento, passe para os capítulos de 9 a 11 que lhe ensinarão sobre a providência e o conforto que ela é.”
Assim, para Lutero, a eleição era uma garantia, era esperança. Pois, nos momentos de sofrimento, de cruz e das angústias da morte, é a providência divina, através da eleição, que nos dá garantia da presença da graça em nossas vidas. É por isso que ele disse: “Há uma medida adequada, hora e idade para o entendimento de toda doutrina.”
Dessa maneira, para o reformador, o caminho cristão começa com o ato de ouvir o Evangelho, com o reconhecimento de nosso pecado, mas também da graça de Deus, em Cristo, derramado sobre nós. Continua no correr de nossa vida com a luta contra o pecado e, finalmente, quando debaixo da sombra da cruz e do sofrimento, é a providência de Deus, manifesta na eternidade, através da eleição, que garante a esperança e nos dá conforto.
A teologia da eleição segundo Calvino
Calvino partiu dos mesmos textos de Lutero, principalmente da Carta de Paulo aos Romanos, mas inverteu a maneira de ver de Lutero. Se para Lutero, o ser humano não tem como discutir e mergulhar na compreensão da soberania de Deus e teologizar sobre ela e, por isso, a eleição deve ser vista como garantia de nossa esperança, principalmente nos momentos de dificuldades e sofrimentos, para Calvino a base da vida cristã é a escolha eterna de Deus. Assim, na teologia, não seria fim, mas começo e centralidade.
Tanto em seu Comentário sobre a Carta aos Romanos, como nas Instituições da Igreja Cristã, Calvino constrói uma teologia da eleição que tem por base a soberania de Deus. E olha a eleição sempre do “ponto de vista” de Deus, de cima, descartando uma leitura a partir da imago Dei e a possibilidade de escolha humana.
Segundo o teólogo batista Timothy George,[3] a doutrina da predestinação em Calvino pode ser definida em três palavras: absoluta, particular e dupla. É absoluta já que não está condicionada a nenhuma contingência finita, é particular no sentido que pertence a indivíduos e não a grupos. E, por fim, é dupla: Deus, para o louvor de sua misericórdia, elegeu uns para a vida eterna, e, para o louvor de sua justiça, outros para a perdição eterna.
A posição de Calvino, quando relaciona eleição e salvação, pode ser traduzida no seguinte silogismo: (1) A certeza da salvação depende do decreto eterno de Deus; (2) aqueles que crêem foram escolhidos por Deus desde a eternidade; (3) se eu creio, logo serei salvo, porque fui escolhido.
A historiografia dos séculos 16 e 17 mostra que a doutrina da predestinação absoluta defendida por Calvino enfrentou séria oposição não somente nos meios teológicos, mas de pastores e crentes. Entre esses opositores podemos citar Erasmus,[4] o movimento anabatista e dois fundadores do pensamento batista na Inglaterra: John Smyth[5] e Guilherme Dell.[6] Mas, historicamente, seu opositor mais conhecido foi Jacobus Arminius.
Apesar da oposição que a leitura de Calvino produziu no mundo protestante, sua leitura da eleição, para seus defensores, deve ser entendida como uma garantia nos momentos de provação e uma confissão à graça de Deus.
A teologia da eleição segundo Arminius
Já a doutrina da predestinação defendida por Jacobus Arminius[7] (1560-1609) parte de uma perspectiva diferente: o papel da graça diante da depravação humana, a eleição condicional, a graça resistível, a expiação não limitada – Cristo morreu por todos – e a possibilidade de perda da salvação. Assim, para o arminianismo a eleição é condicionada pela fé.
Em sua Declaração de Sentimentos, apresentada à igreja holandesa em 30 de outubro de 1605, ele sintetizou a sua posição em cinco pontos:
1 – Capacidade humana e liberdade de escolha:
Todos os homens embora sejam pecadores, ainda são livres para aceitar ou recusar a salvação que Deus oferece;
2 – Eleição condicional:
Deus elegeu os homens que ele previu que teriam fé em Cristo;
3 – Expiação ilimitada:
Cristo morreu por todos os seres humanos, em todas as épocas e lugares;
4 – Graça resistível:
Os homens podem resistir à Graça de Deus para não serem salvos;
5 – Decair da Graça:
Homens salvos podem perder a salvação caso não perseverem na fé até o fim.
Arminius defendeu uma posição sublapsariana, alertando para o fato de que Deus não predetermina ninguém para a perdição.
Segundo Arminius, Deus em seu decreto escolheu seu Filho como Salvador para mediar a favor daqueles pecadores que se arrependem e crêem em Cristo, e para administrar os meios eficientes e eficazes para a fé de cada um deles. Assim, para ele, Deus decreta a salvação e a perdição de pessoas em particular com base na onisciência divina da fé e perseverança de cada indivíduo.
Na verdade, a tensão da discussão entre predestinação absoluta ou predestinação condicional gira ao redor da compreensão de duas doutrinas: graça e eleição. Tomamos por base, a partir de Arminius, o arrazoado que o apóstolo Pedro faz em sua segunda epístola, explicando esta questão. Ele nos mostra que a expiação não tem limites:
“Não retarda o Senhor a sua promessa, como alguns a julgam demorada, pelo contrário, ele é longânime para convosco, não querendo que nenhum pereça, senão que todos cheguem ao arrependimento.” 2Pe 3.19 e também 1Jo 2.2 e 2Co 5.19.
A graça e a expiação têm eficiência e eficácia ilimitadas, mas há uma chave para que a função graça e função expiação sejam plenamente exercidas. E essa chave está no final do versículo acima citado: “que todos cheguem ao arrependimento.”
O sacrifício pleno, eficiente e eficaz de Cristo (graça não limitada) deve ser somado ao arrependimento, produzindo então a salvação. Ou seja: expiação não limitada mais arrependimento = salvação.
O sacrifício pleno, eficiente e eficaz de Cristo (graça não limitada) sem o arrependimento produz justiça. Ou seja:expiação não limitada menos arrependimento = justiça. 
A verdade, para Arminius, é que o valor da cruz não é limitado, mas sua aplicação sim. Para ele, todos estamos predestinados à salvação, mas a eleição depende do arrependimento. Por isso, para Arminius, que Deus decreta a salvação e a condenação de pessoas em particular com base no conhecimento divino da fé e perseverança de cada um em particular.
A partir desse pastor holandês, podemos dar uma explicação lógica e plausível para o texto de 2Pe 2.1: “Assim como no meio do povo surgiram falsos profetas, assim também haverá entre vós falsos mestres, os quais introduzirão dissimuladamente heresias destruidoras, até a ponto de renegarem o Soberano Senhor que os resgatou, trazendo sobre si mesmos repentina destruição.”
A teologia de Jacobus Arminius ressalta a liberdade humana. Acreditava no pecado original, considerava que a vontade do homem natural caído está degenerada, incapacitada para produzir qualquer bem espiritual. Nesse sentido seu conceito de liberdade humana diferia da visão de Pelágio.
Jacobus Arminius influenciou profundamente a teologia de John Wesley, o metodismo e o protestantismo de missões. É interessante notar, também, que o pensamento de Arminius antecede os padrões de pensamento do Iluminismo.
Em resposta às críticas do arminianismo, a Igreja Reformada da Holanda se reuniu em concílio, e assim os presbiterianos produziram um documento que ficou conhecido como:
Os cinco pontos do Calvinismo
O termo calvinismo é dado ao sistema teológico exposto e defendido por João Calvino (1509-1564). Seu sistema de interpretação bíblica, no entanto, sofreu uma releitura ao ser resumido em cinco pontos, conhecidos como “os cinco pontos do Calvinismo” ou TULIP, em inglês.
De 13 de novembro de 1618 a 9 de maio de 1619 reuniu-se na cidade de Dort, na Holanda, um concílio presbiteriano para discutir a controvérsia entre arminianos e calvinistas. Arminius (1560-1609) já tinha morrido e, logicamente, Calvino também (1509-1564). O concílio analisou cinco questões: predestinação, expiação, fé, graça e perseverança dos santos. Ao final do Concílio de Dort, os presbiterianos aprovaram os “cinco pontos do calvinismo.”[8]
Eis a TULIP:
1 – Total Depravity (Depravação total)
Todos os seres humanos nascem totalmente depravados, incapazes de se salvar ou de escolher o bem em questões espirituais;
2 – Unconditional Election (Eleição incondicional)
Deus escolheu dentre todos os seres humanos decaídos um grande número de pecadores por graça pura, sem levar em conta qualquer mérito, obra ou fé prevista neles;
3 – Limited Atonement (Expiação limitada)
Jesus Cristo morreu na cruz para pagar o preço do resgate somente dos eleitos;
4 – Irresistible Grace – (Graça Irresistível)
A Graça de Deus é irresistível para os eleitos, isto é, o Espírito Santo acaba convencendo e infundindo a fé salvadora neles;
5 – Perseverance of Saints (Perseverança dos Santos)
Todos os eleitos vão perseverar na fé até o fim e chegar ao céu. Nenhum perderá a salvação.
Essa leitura do calvinismo é chamada por alguns teólogos batistas de hipercalvinismo, e se caracteriza pela negação da idéia de que a chamada do Evangelho se destina àqueles que não são eleitos. É a negação da idéia de que a fé é o dever de cada um que ouve o Evangelho. Ou seja, é a crença de que Deus planejou o mundo de tal forma que causas secundárias, ou seja, nossas ações, não são necessárias de modo algum, pois, se Deus já escolheu quem vai ser salvo, não é necessário pregar o Evangelho. Esta visão não reflete o calvinismo histórico.
A doutrina batista sobre eleição
A partir do que vimos, podemos dizer que existem três tendências no pensamento teológico em relação à doutrina da eleição, em especial à tensão existente entre a soberania de Deus e a liberdade de consciência e ação e ao uso pleno da razão por parte do ser humano.
A tendência chamada minimalista, que olha a questão de cima, a partir da soberania de Deus, e nega toda a possibilidade da liberdade humana, de consciência livre e escolha. A tendência chamada maximalista, que olha a questão de baixo, a partir de nossa humanidade, e não vê limitação à possibilidade do ser humano responder de forma livre ao chamado de seu Criador.
Mas há uma superação dialética dessa contradição, que defende que o ser humano pode e deve apoiar sua resposta à eleição e ao chamado de Deus em sua liberdade de ação e consciência, assim como no uso da razão, embora tal processo deva ter como ponto de partida a revelação. Vamos analisar, então, o pensamento doutrinário batista:
“Eleição é a escolha feita por Deus, em Cristo, desde a eternidade, de pessoas para a vida eterna, não por qualquer mérito, mas segundo a riqueza da sua graça. Antes da criação do mundo, Deus, no exercício de sua soberania divina e à luz de sua presciência de todas as coisas, elegeu, chamou, predestinou, justificou e glorificou aqueles que, no correr dos tempos, aceitariam livremente o dom da salvação. Ainda que baseada na soberania de Deus, essa eleição está em perfeita consonância com o livre-arbítrio de cada um e de todos os seres humanos. A salvação do crente é eterna. Os salvos perseveram em Cristo e estão guardados pelo poder de Deus. Nenhuma força ou circunstância tem poder para separar o crente do amor de Deus em Cristo Jesus. O novo nascimento, o perdão, a justificação, a adoção como filhos de Deus, a eleição e o dom do Espírito Santo asseguram aos salvos a permanência na graça da salvação.”[9]
Reconhecemos que existe uma tensão entre infinito e finito, entre o que está em cima e o que está embaixo. Mas, para nós batistas, a doutrina da eleição é uma síntese, que equilibra a tensão. Dessa maneira, segundo Sua graça imerecida, Deus opera a salvação em e através de Cristo, de pessoas eleitas desde a eternidade, chamadas, predestinadas, justificadas e glorificadas à luz de Sua presciência e de acordo com o livre arbítrio de cada um e de todos.[Veja os seguintes textos: 1Pe 1.2; Rm 9.22-24; 1Ts 1.4; Rm 8.28-30; Ef 1.3-14].
E assim a doutrina batista apresenta seus quatro pontos:
1.  Todos são eleitos.
2. Deus opera a salvação em e através de Cristo pelo favor imerecido de sua graça.
3. Deus é pré-ciente.
4. De acordo com o livre-arbítrio, desde a eternidade, Deus elege, chama, predestina, justifica e glorifica.
Nós batistas entendemos que salvação implica em regeneração, que é ato inicial em que Deus faz nascer de novo o pecador perdido. É obra do Espírito Santo, quando o pecador recebe o perdão, a justificação, a adoção de filho de Deus, a vida eterna e o dom do Espírito Santo. Neste ato de regeneração, o novo crente é batizado com o Espírito Santo e é por ele selado para o dia da redenção final, liberto do castigo eterno de seus pecados.
Há duas condições para o pecador ser regenerado: arrependimento e fé. O arrependimento implica em mudança radical do homem interior, que significa afastar-se do pecado e voltar-se para Deus. A fé é a confiança e aceitação de Jesus Cristo como Salvador e a total entrega da personalidade do pecador a Ele. Nessa experiência de conversão o ser humano perdido é reconciliado com Deus, que lhe concede perdão, justiça e paz.[10]
Assim, a partir da consistência ontológica do humano, somos levados à necessidade de uma análise antropológica para a teologia. Quando descartamos a reflexão sobre o ser humano a quem Deus fala, temos um discurso meramente ideológico, distanciado do homem e da mulher verdadeiros e da realidade em que vivem e transformam. Temos, então, um ser humano-mito, onde os fatos natural e histórico transformam-se em alegoria.
O pressuposto fundamental dessa reflexão antropológica para a teologia é a imago Dei, que traduz a verdade de que a compreensão de Deus, através de seu Cristo, leva à compreensão do ser humano e de sua razão de existir. Não se trata de conhecer o ser humano para conhecer a Deus, porque o homem não é Deus, mas o contrário. Nesse sentido, a antropologia correta parte da revelação. Não utilizamos o conceito do teólogo Tomás de Aquino de analogia em seus dois sentidos, como se fosse possível ao homem conhecer a Deus a partir de si próprio, mas acreditamos que as necessidades e anseios do espírito humano apontam para aquilo que ele perdeu.
Se a revelação é uma conversa entre Deus e o ser humano, em Cristo, é a partir desse diálogo que temos os elementos fundamentais para conhecer aquilo que Deus deseja que sejamos. Nesse sentido, por mais decaído que esteja o ser humano, ainda lhe resta a liberdade de consciência necessária para aceitar ou não esse diálogo proposto pelo Criador.
Por isso, nós batistas consideramos que a missão do povo de Deus é a evangelização do mundo, visando a reconciliação do ser humano com Deus. É dever de todo discípulo de Jesus Cristo e das igrejas proclamarem, pelo exemplo e pelas palavras, a realidade do evangelho, fazendo novos discípulos de Jesus Cristo em todas as nações. Cabe às igrejas batizá-los, ensinando-os a observar o que Jesus ordenou. A responsabilidade da evangelização estende-se até os confins da terra e, por isso, as igrejas devem promover a obra de missões, pedindo a Deus que envie obreiros para a sua seara.[11]

[1] Jorge Pinheiro é pastor auxiliar da Igreja Batista em Perdizes (SP/Capital) e professor de Teologia Sistemática na Faculdade Teológica Batista de São Paulo.
[2] Walther von Loewenich, A Teologia da Cruz de Lutero, São Leopoldo, Sinodal, 1988, pp. 11 e 12.
[3] Timothy George, Teologia dos Reformadores, São Paulo, Edições Vida Nova, 1994, p.232.
[4] Desidério Erasmus (1486-1536) teólogo e erudito, em 1524 escreveu, em polêmica com Lutero, Diatribe sobre o Livre Arbítrio. Carl Bangs, Arminius, A Study in the Dutch Reformation, NY, Abingdon Press, 1971, pp. 90 e 102.
[5] John Smyth (1610-1612), primeiro pastor batista na Inglaterra, levantou a bandeira da “liberdade de consciência absoluta” in Zaqueu Moreira de Oliveira, Liberdade e Exclusivismo: Ensaios sobre os Batistas Ingleses. Rio de Janeiro: Horizonal; Recife: STBNB Edições, 1997, p. 83.
[6] Pensador batista inglês, “Dell usou cada oportunidade que teve para defender a liberdade de consciência. Ele considerou o uso de coação uma invenção humana, algo deletério que não tinha lugar no reino de Cristo.” Zaqueu Moreira de Oliveira, op. cit., p. 104-106. Dell escreveu Uniformidade Examinada e apoiou a revolução inglesa (1642-1649), dirigida por Oliver Cromwell.
[7] Obras de Jacobus Arminius: Exame do Panfleto de Perkins, Declaração de Sentimentos, Controvérsias Públicas, Setenta e Nove Controvérsias Particulares in Carl Bangs, Arminius, A Study in the Dutch Reformation, NY, Abingdon Press, 1971, pp.206-221; 307-316; e Arminianismo e Jacobus Arminius, in Enciclopédia Histórico-Teológica, São Paulo, Edições Vida Nova, 1993, pp. 112-114.
[8] Júlio Andrade Ferreira (org.), Antologia Teológica, São Paulo, Novo Século, 2003, p. 698.
[9] Declaração Doutrinária da Convenção Batista Brasileira, “Eleição”, in Rumo e Prumo, terceira edição, Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, secção do Estado de São Paulo, dezembro de 2004, p. 26.
[10] “Salvação”, in Rumo e Prumo, terceira edição, Ordem dos Pastores Batistas do Brasil, secção do Estado de São Paulo, dezembro de 2004, p. 25.
[11] “Evangelização e Missões”, in Rumo e Prumo, op. cit., p. 28.


A Graça e a Salvação
Prof. Dr. Jorge Pinheiro

Teologia Sistemática: A Graça e a Salvação

1. A alienação de Adão e Eva definem um padrão humano, ou seja, a alienação humana faz parte da existência. Já o conceito mal, usado no seu sentido mais amplo cobre tudo o que é negativo e inclui tanto a alienação, quanto a destruição. Neste sentido, o pecado é visto como a maldade presente na natureza humana, sendo chamado, às vezes, de mal moral. Os seres humanos são tentados quando atraídos e enganados pelos maus desejos da natureza humana. Então, esses maus desejos da natureza humana fazem brotar o pecado, e o pecado quando está maduro produz a morte. Veja Tiago 1.13-15 e Gênesis 4.6-7. Aqui vemos que há um processo: alienação/mal, pecado, destruição. O que nos possibilita a construção de duas teorias, a da alienação/mal e a do pecado. 
2. Somos libertos da alienação que nos separa do Eterno pela graça. Ou como afirma Tiago, tudo o que é bom e perfeito vem daquele que é o fundamento e ele nos fez para ocuparmos um lugar central na existência. Veja Tiago 1.17-18.
3. O Eterno, antes da criação do mundo, elegeu em Cristo, entre a raça humana alienada, aqueles que pela graça crêem em Jesus Cristo e obedecem na fé. Contrariamente, o Eterno rejeita os que desobedecem a Cristo. Veja João 3.36.
4. Cristo, o libertador da existência alienada, morreu por todos as pessoas, de modo a garantir, pela morte na cruz, liberdade e perdão para o pecado de todas as pessoas. Mas, a salvação é desfrutada por aqueles que arrependidos aceitam pela fé este perdão e perdoados abandonam seus alvos errados. Veja João 3.16 e 1João 2.2.
5. A pessoa não pode obter a fé salvadora por si mesmo ou pela força do seu livre-arbítrio, necessita da graça de Deus por meio de Cristo para ter sua vontade e seu pensamento renovados. Veja João 15.5.
6. A graça é a causa do começo, do progresso e da completude da salvação da pessoa. Ninguém poderia crer ou obedecer na fé sem esta graça cooperante. A obediência e as boas obras devem ser creditadas à graça de Deus em Cristo. Mas, a operação desta graça não é irresistível. É necessário que a pessoa a deseje e queira permanecer nela. Veja Atos 7.51.
7. Os crentes têm força suficiente, por meio da graça divina, para lutar contra Satanás, contra a natureza humana (a alienação) e contra o pecado e para vencê-los.
8. A expiação por meio de Jesus Cristo é universal e comunica essa graça preveniente, que vem antes, a todas as pessoas, mas ela pode ser resistida. Assim, como a alienação/mal entrou no mundo pelo primeiro Adão, a graça foi concedida ao mundo por meio de Cristo, o segundo Adão. Veja Romanos 5.18 e João 1.9.
9. Em 1Timóteo 4.10 a salvação em Cristo se expressa de duas maneiras: uma universal e uma especial para os que crêem. A primeira corresponde à graça preveniente, concedida a todos as pessoas, que lhes restaura o arbítrio, ou seja, a capacidade de aceitar ou não o chamado de Deus. Ela é distribuída a todos as pessoas porque Deus é amor (1João 4.8, João 3.16) e deseja que todas as pessoas se salvem (1Timóteo 2.4, 2Pedro 3.9). A segunda é alcançada por aqueles que não resistem à graça salvadora e crêem em Cristo.
10. A expressão liberdade deve ser entendida como arbítrio liberto pela graça iluminadora e capacitante que torna possível o arrependimento e a fé. Sem a atuação da graça nenhuma pessoa teria livre-arbítrio.
11. A graça preveniente, concedida a todas as pessoas, não é uma força irresistível, que leva o homem ou a mulher à salvação. Tal graça, se fosse irresistível, violaria o caráter pessoal da relação entre Deus e o homem ou a mulher. Todas as pessoas têm a capacidade de resistir a Deus. Veja Atos 7.51, Lucas 7.30, Mateus 23.37.
12. A responsabilidade humana na salvação consiste em não resistir ao Espírito Santo.


Prof. Dr. Jorge Pinheiro: Pós-Doutor em Ciências da Religião pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutor e Mestre em Ciências da Religião pela Universidade Metodista de São Paulo. Teólogo pela Faculdade Teológica Batista de São Paulo. Jornalista. Professor de Teologia e Filosofia. Pastor adjunto na Igreja Batista em Perdizes (SP). Página Web: http://jorgepinheirosanctus.blogspot.com/
O Livre Arbítrio
 A.W. Tozer


É INERENTE à natureza humana que a sua vontade tem de ser livre. Feito à imagem de Deus, que é completamente livre, o homem deve gozar certa medida de liberdade. Esta o capacita a escolher os seus companheiros para este mundo e para o porvir; capacita-o a sujeitar a sua alma a quem ele quiser, a aliar-se a Deus ou ao Diabo, a continuar pecador ou tornar-se santo.
E Deus respeita esta liberdade. Outrora Deus viu tudo que tinha feito, e eis, era muito bom. Achar defeito na menor coisa que Deus fez é achar defeito no seu Criador. É falsa humildade lamentar que Deus trabalhou imperfeitamente quando fez o homem à Sua imagem. Fora o pecado, não há nada na natureza humana pelo que pedir desculpas. Isso foi confirmado para sempre quando o Filho Eterno encarnou assumindo permanentemente a carne humana.
Tão alta consideração Deus tem pela obra das Suas mãos, que por nenhum motivo lhe fará violência. Para Deus, passar por cima da liberdade do homem e força-lo a agir contrariamente à sua vontade seria escarnecer da imagem de Deus no homem. Deus jamais fará isso.
O nosso Senhor interessou-se pelo rico e jovem governante quando este se retirou, mas não o seguiu nem exerceu coerção sobre ele. A dignidade da humanidade do jovem proibia que outro fizesse por ele as suas escolhas. Para permanecer homem, ele tinha de fazer as suas escolhas morais; e Cristo sabia disso e lhe permitiu que seguisse o caminho que escolheu. Se esta escolha humana o levou finalmente para o inferno, pelo menos foi para lá como homem; e para o universo moral, era melhor ele fazer isso do que ir iludido para o céu que ele não escolheu, como um autômato sem alma e sem vontade.
Deus dará nove passos em direção a nós, porém não dará o décimo. Ele nos inclinará ao arrependimento, mas não poderá arrepender-se por nós. É da essência do arrependimento que só se dê com aquele que cometeu o ato do qual se arrepender. Deus pode ficar à espera do homem que pecou; pode sustar o julgamento; pode exercer paciente tolerância a ponto de parecer relaxado em Sua administração judicial; mas não pode forçar o homem a arrepender-se. Fazê-lo seria violar a liberdade do homem e esvaziar o dom que originariamente Deus lhe outorgara.
Onde não liberdade de escolha não pode haver nem pecado nem retidão, porque é da natureza de ambos que sejam voluntários. Por melhor que seja um ato, não será bom se for imposto de fora. O ato de imposição destrói o conteúdo moral do ato e o torna nulo e vazio.
Para que um ato seja pecaminoso é preciso que também esteja presente o seu caráter voluntário. Pecado é a prática voluntária de um ato que se sabe contrário à vontade de Deus. Onde não há conhecimento moral ou onde não há escolha voluntária, o ato não é pecaminoso; não pode ser, pois o pecado é a transgressão da lei, e transgressão tem de ser voluntária.
Lúcifer se tornou Satanás quando fez a sua escolha fatídica: “Subirei acima das mais altas nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo” (Isaias 14.14). Claramente se vê aí uma escolha feita contra a Luz. Tanto o conhecimento como a vontade estavam presentes no ato. Inversamente, Cristo revelou a Sua santidade quando bradou em Sua agonia: “Não se faça a minha vontade, e, sim, a Tua” (Lucas 22.42). Vê-se aí uma escolha deliberada, feita com pleno conhecimento das consequências. Ali duas vontades estiveram em conflito temporário, a vontade inferior do homem que era Deus, e a vontade mais elevada do Deus que era homem, e a vontade superior prevaleceu. Viu-se ali também, em evidente contraste, a enorme diferença entre Cristo e Satanás; e essa diferença separa o santo do pecador, e o céu do inferno.
Mas alguém pode perguntar: “Quando oramos: “Não se faça a minha vontade, e, sim, a Tua”, não estamos esvaziando a nossa vontade e nos recusando a exercer o próprio poder de escolha que faz parte da imagem de Deus em nós?” A resposta a essa pergunta é um rotundo NÂO, mas isso tudo merece mais explicação.
Nenhum ato que seja praticado voluntariamente constitui uma ab-rogação do livre arbítrio. Se alguém escolhe a vontade Deus, não está negando, mas, sim, exercendo o seu direito de escolha. O que ele está fazendo é admitir que não é suficientemente bom para desejar a suprema escolha, nem suficientemente sábia para fazê-la e, por esta razão, está pedindo a Outro, sábio e bom, que faça a sua escolha por ele. E para o homem decaído, este é o emprego último que deve fazer do seu livre arbítrio.
Tennyson percebeu isso e escreveu a respeito de Cristo:
És humano, Senhor, e divino és Tu.
a suprema e mais santa humanidade;
sem saber como, é nossa a nossa vontade;
é nossa, porém para fazê-la Tua.
Há boa soma de saudável doutrina nestas palavras – “é nossa a nossa vontade; é nossa, porém para fazê-la Tua”. O segredo do santo viver não está na destruição da vontade, mas em fazê-la submergir na vontade de Deus.
O verdadeiro santo é alguém que reconhece que possui o dom da liberdade oriundo de Deus. Ele sabe que jamais será espancado para obedecer, nem adulado como uma criança enjoada, para fazer a vontade de Deus; sabe que estes métodos são indignos de Deus e da sua própria alma. Sabe que é livre para fazer a escolha que quiser e, com esse conhecimento, escolhe para sempre a bendita vontade de Deus.


Retirado do livro: “Esse cristão incrível”, Editora Mundo Cristão. A.W.Tozer, pg 25-27.


O livre arbítrio

Norman Geisler

As ideias sobre a natureza do livre arbítrio humano dividem-se em três categorias: determinismo, indeterminismo e autodeterminismo. O determinista leva em conta as ações causadas por outro, o indeterminista as ações não causadas e o autodeterminista as ações autocausadas.
Determinismo. Há dois tipos básicos de determinismo: naturalista e teísta. O determinista naturalista é mais prontamente associado ao psicólogo comportamental B. F. SKINNER. Skinner acreditava que todo comportamento humano é determinado por fatores genéticos e comportamentais. Os seres humanos só agem conforme sua programação.
Todos os que aceitam as formas rígidas da teologia calvinista acreditam em algum nível de determinismo teísta. Jonathan EDWARDS relacionava todas as ações a Deus como Primeira Causa. “Livre arbítrio” para Edwards é fazer o que se quer, e Deus é o Autor dos desejos do coração. Deus é soberano, está no controle de tudo e, em última análise, é a causa de tudo. A humanidade pecadora está cativa às suas inclinações, então pode fazer tudo o que quiser, mas o que quiser estará sempre sob o controle de seu coração corrupto e mundano. A graça de Deus controla ações como Deus controla desejos e pensamentos, bem como ações correspondentes.
Resposta ao determinismo. Os indeterministas respondem que a ação autocausada não é impossível e que não é necessário atribuir todas as ações à Primeira Causa (Deus). Algumas ações podem ser causadas por seres humanos aos quais Deus deu liberdade moral. O livre arbítrio não é, como Edwards afirma, fazer o que deseja (com Deus dando os desejos). É fazer o que decide, o que nem sempre é a mesma coisa. Não é necessário rejeitar o controle soberano de Deus para negar o determinismo. Deus pode controlar pela onisciência tanto quanto pelo poder causal.
Duas formas de determinismo podem ser diferenciadas: rígida e moderada. Odeterminista rígido acredita que todas as ações são causadas por Deus, que Deus é a única causa eficiente. O determinista moderado acredita que Deus como Causa Primária é compatível com o livre arbítrio humano como Causa Secundária.
Indeterminismo. Segundo o indeterminista, poucas ações humanas (se de fato alguma é) são causadas. Eventos e ações são contingentes e espontâneos. Charles Pierce e William JAMES eram indeterministas.
Argumentos a favor do indeterminismo. Os argumentos a favor do indeterminismo seguem a natureza das ações livres. Já que estas não seguem nenhum padrão determinado, conclui-se que são indeterminadas. Alguns indeterministas contemporâneos recorrem ao princípio de indeterminação de Werner Heisenberg para apoiar sua posição. Segundo esse princípio, eventos no âmbito subatômico (como a trajetória específica de determinada partícula) são completamente imprevisíveis.
Conforme o argumento da imprevisibilidade das ações livres, uma ação deve ser previsível para ser determinada. Mas ações livres não são previsíveis. Logo, são indeterminadas.
Crítica ao indeterminismo. Todas as formas de indeterminismo naufragam no princípio da causalidade, que afirma que todos os eventos têm causa. Mas o indeterminismo afirma que escolhas livres são eventos não causados.
O indeterminismo torna o mundo irracional e a ciência impossível. É contrário à razão afirmar que as coisas acontecem aleatoriamente, sem uma causa. Logo, a indeterminação é reduzida ao irracionalismo. As ciências de operação e das origens dependem do princípio da causalidade. Só porque uma ação livre não é causada por outra não significa que é não causada. Poderia ser autocausada.
O uso do princípio de Heisenberg é mal aplicado, já que não lida com a causalidade de um evento, mas com a imprevibilidade.
O indeterminismo rouba a responsabilidade moral dos seres humanos, já que não são a causa dessas ações. Se não são, por que deveriam ser culpados por ações malignas? O indeterminismo, pelo menos na escala cósmica, é inaceitável do ponto de vista bíblico, já que Deus está relacionado causalmente ao mundo como Criador (Gn 1) e Sustentador de todas as coisas (Cl 1.15,16).
Autodeterminismo. De acordo com essa teoria, as ações morais de uma pessoa não são causadas por outro nem não causadas, mas são causadas pela própria pessoa. É importante saber desde o início exatamente o que significa autodeterminismo ou livre arbítrio. Negativamente, significa que a ação moral não é não causada nem é causada por outro. Não é nem indeterminada nem determinada por outro. Positivamente, é moralmente autodeterminada, uma ação livremente escolhida, sem compulsão, em que seria possível fazer o contrário. Vários argumentos apoiam essa posição.
Argumentos a favor do autodeterminismo. Ou as ações morais são não causadas, ou são causadas por outro, ou são causadas pela própria pessoa. Mas nenhuma ação pode ser desprovida de causa, já que isso viola o princípio racional fundamental segundo o qual todo evento tem uma causa. E as ações de uma pessoa não podem ser causadas por outros, pois nesse caso não seriam ações pessoais. Além disso, se as ações da pessoa são causadas por outro, como responsabilizá-la por elas? Tanto Agostinho (em Do livre arbítrio e Da graça e do livre arbítrio) quanto Tomás de Aquino eram autodeterministas, e também o são os calvinistas moderados e arminianos contemporâneos.
A negação de que algumas ações podem ser livres é contraditória. O determinista completo insiste em que tanto deterministas quanto indeterministas estão determinados a acreditar no que acreditam. Mas os deterministas acreditam que os autodeterministas estão errados e devem mudar sua posição. Mas “deve mudar” implica liberdade para mudar, o que é contrário ao determinismo. Se Deus é a causa de todas as ações humanas, então os seres humanos não são moralmente responsáveis. E não faz sentido louvar os seres humanos por fazerem o bem nem culpá-los por fazerem o mal.
Uma dimensão dessa controvérsia está relacionada com o conceito de “eu”. O autodeterminista acredita que haja um “eu” (sujeito) que é mais que o objeto. Isto é, minha subjetividade transcende minha objetividade. Não posso colocar tudo o que sou sob a lente de um microscópio para analisar, como um objeto. Eu sou mais que minha objetividade. Esse “eu” que transcende a objetificação é livre. O cientista que tenta estudar o eu sempre transcende a experiência. O cientista está sempre do lado de fora olhando para dentro. Na verdade, “eu” sou livre para “me” rejeitar. Isso não é determinado pela objetividade, nem está sujeito a ficar preso à analise científica. Como tal, o “eu” é livre.
Objeções ao autodeterminismo. O livre arbítrio elimina a soberania. Se os seres humanos são livres, estão fora da soberania de Deus? Ou Deus determina tudo, ou não é soberano. E se ele determina tudo, então não há ações autodeterminadas.
É suficiente observar que Deus soberanamente delegou o livre arbítrio a algumas de suas criaturas. Não havia necessidade de fazê-lo. Então o livre arbítrio é um poder soberanamente dado para fazer escolhas morais. Só a liberdade absoluta seria contrária à soberania absoluta de Deus. Mas a liberdade humana é uma liberdade limitada. Os seres humanos não estão livres para se tornar Deus. Um ser contingente não pode tornar-se um Ser Necessário. Pois um Ser Necessário não pode ser criado. Deve ser sempre o que é.
O livre arbítrio é contrário à graça. Alega-se que os as ações livres e boas vêm da graça de Deus ou de nossa iniciativa. Mas no caso da última, elas não são resultado da graça de Deus (Ef 2.8-9). Todavia, essa não é uma conclusão lógica. O livre arbítrio é um dom gracioso. Além disso, a graça especial não é imposta coercivamente à pessoa. A graça, pelo contrário, age persuasivamente. A posição rígida determinista confunde a natureza da fé. A capacidade da pessoa receber o dom gracioso da salvação de Deus não é a mesma coisa que trabalhar por ele. Pensar assim é dar crédito ao receptor do dom, e não ao Doador.
A ação autocausada é logicamente impossível. Alega-se que o autodeterminismo significa causar a si mesmo, o que é impossível. Uma pessoa não pode ser anterior a si mesma, que é a implicação da ação autocausada. Essa objeção interpreta mal o determinismo, que não significa que a pessoa causa a si mesma, mas sim causa o acontecimento de outra coisa. Uma ação autodeterminada é determinada pela própria pessoa, não por outra.
O autodeterminismo é contrário à causalidade. Se todas as ações precisam de causa, da mesma forma acontece com as ações da vontade, que não são causadas pela pessoa, mas por outra coisa. Se tudo precisa de uma causa, as pessoas que executam as ações também precisam.
Não há violação do princípio da causalidade real no exercício das ações livres. O princípio não afirma que todas as coisas (seres) precisam de uma causa. Coisas finitas precisam de uma causa. Deus é não causado. A pessoa que realiza as ações livres é causada por Deus. O poder da liberdade é causado por Deus, mas o exercício da liberdade é causado pela pessoa. O eu é a primeira causa das ações pessoais. O princípio da causalidade não é violado pelo fato de todo ser finito e toda ação ter uma causa.
O autodeterminismo é contrário à predestinação. Outros alegam que o autodeterminismo é contrário à predestinação de Deus. Mas o autodeterminismo responde que Deus pode predeterminar de várias maneiras. Pode determinar 1) contrariamente ao livre arbítrio (forçando a pessoa a fazer o que ela não escolhe fazer); 2) baseado nas livres escolhas já feitas (esperando para ver o que a pessoa vai fazer); 3) sabendo de modo onisciente o que a pessoa fará “de acordo com pré conhecimento de Deus Pai” (1Pe 1.2). “Pois aqueles que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho” (Rm 8.29). Ou a posição 2 ou a 3 é coerente com o autodeterminismo. Ambas insistem que Deus pode determinar o futuro pelo livre arbítrio, já que ele sabe oniscientemente com certeza como as pessoas agirão em liberdade. Então, o futuro é determinado do ponto de vista do conhecimento infalível de Deus, maslivre do ponto de vista da escolha humana.
Ligado ao argumento do determinismo rígido está o fato de que, apesar de Adão ter livre arbítrio (Rm 5.12), os seres humanos pecadores estão escravizados pelo pecado e não estão livres para atender a Deus. Mas essa posição é contrária ao chamado constante de Deus a que os homens se arrependam (Lc 13.3; At 2.38) e creiam (p.ex., Jo 3.16; 3.36; At 16.31), e às afirmações diretas de que até os incrédulos têm habilidade de reagir à graça de Deus (Mt 23.37; Jo 7.17; Rm 7.18; 1Co 9.17; Fm 14; 1Pe 5.2).
Esse argumento prossegue afirmando que, se os humanos têm capacidade de atender, então a salvação não é pela graça (Ef 2.8,9), mas pelo esforço humano. No entanto, isso é um engano com relação à natureza da fé. A habilidade de uma pessoa receber o domgracioso da salvação de Deus não é o mesmo que trabalhar por ele. Pensar assim é dar crédito a quem recebe o dom, e não ao Doador, que o dá graciosamente.
Fontes
AGOSTINHO, O livre arbítrio.
J. EDWARDS, The freedom of the will.
J. FLETCHER, John Fletcher’s checks to Antinomianism, condensado por P. WISEMAN.
R. T. FOSTER, et al., God’s strategy in human history.
N. L. GEISLER, “Man’s destiny: free or forced”, CSR, 9.2 (1979).
D. HUME, The letters of David Hume.
C. S. LEWIS, Milagres.
M. LUTERO, On grace an free will.
__, The bondage of the will.
B. F. SKINNER, Beyond behaviorism.
__, O mito da liberdade.
TOMÁS DE AQUINO, Suma teológica.
Fonte: Geisler, Norman L. Enciclopédia Apologética: respostas aos críticos da fé cristã; tradução Lailah de Noronha – São Paulo: Editora Vida, 2002. pp. 501-503.
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A Diferença da Ação do Espírito no Homem Natural e no Salvo

Jonathan Edwards

As convicções que os homens naturais podem ter acerca do seu pecado e miséria não é a luz espiritual e divina. Os homens em condição natural podem ter convicções da culpa que está sobre eles, da ira de Deus e do perigo da vingança divina. Tais convicções são provenientes da luz da verdade. O fato de alguns pecadores terem uma maior convicção da culpa e miséria que outros é porque alguns têm mais luz ou compreensão da verdade que outros. Esta luz e convicção podem ser do Espírito de Deus.
O Espírito convence os homens do pecado, mas, não obstante, a natureza está muito mais envolvida nesse processo, do que na comunicação da luz espiritual e divina que são mencionadas na doutrina; somente através do Espírito de Deus como princípio natural auxiliar, e não como novo princípio inspirador.
A graça comum difere da especial, no ponto em que influencia só pela ajuda da natureza, e não pela doação da graça ou concessão de qualquer coisa acima da natureza. A luz que é obtida é completamente natural, ou de nenhum tipo superior a que a mera natureza atinge, por mais que esse modo seja ou seria obtido, se os homens permanecessem completamente sozinhos; em outras palavras, a graça comum só ajuda as faculdades da alma a fazer isso mais completamente do que fazem por natureza, assim como pela mera natureza a consciência ou a razão natural tornará o homem sensível da culpa, e o acusará e o condenará quando ele se desviar.
A consciência é um princípio natural para os homens. O trabalho que o faz naturalmente ou por si mesmo é dar uma compreensão do certo e do errado, e sugerir à mente a relação que há entre o certo, o errado e o castigo.
O Espírito de Deus, nessas convicções que os homens não regenerados às vezes têm, ajudam a consciência a fazer esta obra em maior medida do que se a fizessem sós. Ele ajuda a consciência contra as coisas que tendem a entorpecer e obstruir seu exercício. Mas, na obra renovadora e santificadora do Espírito Santo, essas coisas são feitas na alma que está acima da natureza, na qual não há nada por natureza de igual tipo. Essas coisas são compelidas a existirem habitualmente na alma, e de acordo com esta constituição ou lei declarada, que põe tal fundamento para o exercício em um curso continuado, que é chamado de princípio de natureza.
Não só os princípios permanentes são ajudados a fazer seu trabalho de forma mais livre e completa, mas os princípios que foram totalmente destruídos pela queda são restabelecidos. A partir daí, a mente manifesta habitualmente esses atos que o domínio do pecado a tinha tornado tão completamente desprovida, quanto um corpo morto o é de atos vitais.
O Espírito de Deus age em alguns casos, de maneira muito diferente de como age em outros. Ele pode agir na mente do homem natural, mas age na mente do santo como princípio vital residente. Ele age na mente dos indivíduos não regenerados como agente ocasional extrínseco, pois agindo neles, não se une a eles. Não obstante todas as influências divinas que eles possuam, ainda são sensuais "e não têm o Espírito" (Jd 19). Mas Ele se une com a mente de um santo, toma-o por seu templo, atua nele e o influencia como novo princípio sobrenatural de vida e ação.
Há esta diferença, de que o Espírito de Deus agindo na alma do homem piedoso, manifesta-se e comunica-se na sua natureza formal. A santidade é a natureza formal do Espírito de Deus. O Espírito Santo opera na mente do santo, unindo-se a ele, vivendo nele, manifestando sua natureza no exercício de suas faculdades.
O Espírito de Deus pode agir numa criatura, contudo, não se comunicar agindo. O Espírito de Deus pode agir nas criaturas inanimadas como "o Espírito de Deus se movia sobre a face das águas" no princípio da criação. Assim, o Espírito de Deus pode agir na mente dos homens de muitas maneiras e se comunicar não mais do que quando Ele age em uma criatura inanimada. Por exemplo, Ele pode instigar-lhes pensamentos, ajudar a razão e o entendimento natural, ou auxiliar outros princípios naturais — e isto sem qualquer união com a alma —, mas pode agir, por assim dizer, em um objeto externo; mas assim como Ele age em suas influências santas e operações espirituais, Ele age de certo modo a comunicar-se peculiarmente, de forma que, por isso, o assunto é denominado espiritual.
Esta luz espiritual e divina não consiste em impressão feita na imaginação. Não é impressão na mente, como se a pessoa visse algo com os olhos físicos. Não é imaginação ou ideia de uma luz ou glória externa, ou beleza de forma ou semblante, ou lustre ou brilho visível de um objeto. A imaginação pode ser fortemente impressionada por tais coisas, mas esta não é a luz espiritual.
 Na realidade, quando a mente faz uma descoberta vívida de coisas espirituais e é muito afetada pelo poder da luz divina pode-se, e é muito provável e comum, afetar em demasia a imaginação, de forma que a impressão de uma beleza ou brilho externo pode acompanhar essas descobertas espirituais. Mas a luz espiritual não é essa impressão na imaginação, porém algo sumamente diferente. Os homens naturais podem ter impressões vívidas em sua imaginação, e não podemos determinar a não ser que o diabo, que se transforma em anjo de luz possa causar imaginações de uma beleza exterior ou glória visível, de sons e falas e outras coisas semelhantes. Mas estas coisas são de natureza imensamente inferior à luz espiritual.



ORIENTAÇÕES PARA ODIAR O PECADO

Por Richard Baxter

Tradução: Joelson Galvão Pinheiro

 I. Orientação Se esforce tanto para conhecer a Deus quanto para ser afetado pelos Seus atributos. Viva sempre diante Dele. Ninguém pode conhecer o pecado perfeitamente porque ninguém pode conhecer Deus perfeitamente. Você não pode conhecer o pecado mais do que você conhece a Deus, contra quem o seu pecado é cometido; a malignidade formal do pecado é relativa, pois é contra a vontade e os atributos de Deus. O homem piedoso tem algum conhecimento da malignidade do pecado porque ele tem algum conhecimento do Deus que é ofendido pelo mesmo. O ímpio não tem um conhecimento prático e prevalente da malignidade do pecado porque eles não têm um conhecimento de Deus. Aqueles que temem a Deus temerão o pecado; aqueles que em seus corações são irreverentes e impertinentes para com Deus, serão, em seus corações e em suas vidas, a mesma coisa para com o pecado; o ateísta, que acha que não existe Deus, também acha que não há pecado contra Ele. Nada no mundo inteiro irá nos mostrar de maneira tão simples e poderosa a maldade do pecado, do que o conhecimento da grandeza, bondade, sabedoria, santidade, autoridade, justiça, verdade, e etc., de Deus. Portanto, o senso da Sua presença irá reviver em nós o senso da malignidade do pecado.

II. Orientação Considere bem o ofício de Cristo, Seu sangue derramado e Sua vida santa. Seu ofício é expiar o pecado e destruí-lo. Seu sangue foi derramado por ele. Sua vida o condenou. Ame a Cristo e você odiará o que causou Sua morte. Ame-O e você irá amar ser feito à imagem Dele, e odiará aquilo que é tão contrário a Ele. 

III. Orientação Pense bem o quão santo é a obra e o ofício do Espírito Santo, e quão grande misericórdia isto é para nós. Irá o próprio Deus, a luz celestial, descer a um coração pecaminoso para iluminá-lo e purificá-lo? E ainda devo manter minha escuridão e corrupção, em oposição a essa maravilhosa misericórdia? Embora nem todo pecado contra o Espírito Santo seja uma blasfêmia imperdoável, tudo é ainda mais agravado por meio disso. 

IV. Orientação Considere e conheça o maravilhoso amor e a misericórdia de Deus, e pense no que ele tem feito por você e você odiará o pecado, e terá vergonha dele. É um agravamento do pecado até mesmo para a razão comum e a ingenuidade, que devemos ofender um Deus de infinita bondade que encheu nossas vidas de misericórdia. Você será afligido se você tem injustiçado um extraordinário amigo; seu amor e sua bondade virão aos seus pensamentos e você sentirá raiva de sua própria maldade. De um lado veja a grande lista das misericórdias de Deus pra você, para sua alma e seu corpo. Do outro, observe satanás, escondendo o amor de Deus de você, e tentando você debaixo de uma pretensa humildade de negar Sua grande e especial misericórdia; procurando destruir seu arrependimento e humilhação escondendo também o agravamento do seu pecado.

 V. Orientação Pense no propósito da existência da alma humana. Para que ela fora criada? Para amar, obedecer, e glorificar nosso Criador; e você verá o que é o pecado, pois ele perverte e anula esse propósito. Quão excelentemente grande e santa é a obra para o qual fomos criados e chamados para fazer! E deveríamos desonrar o templo de Deus? E servir ao diabo em sua imundície e tolice, quando deveríamos receber, servir, e glorificar nosso Criador?

 VI. Orientação Pense bem quão puros e doces deleites uma alma santa pode desfrutar de Deus em Sua santa adoração; e então você verá o que o pecado é, pois ele rouba-nos destes deleites e prefere uma luxúria carnal ao invés deles. Oh com quão grande felicidade poderíamos realizar cada dever, quão grandes frutos poderíamos produzir servindo nosso Senhor, e que deleites encontraríamos em Seu amor e aceitação, e como pensaríamos mais na bem-aventurança eterna, se não fosse o pecado; o qual afasta as almas dos portões dos céus, e as faz cair, como um suíno, no seu amado lamaçal.

 VII. Orientação Considere a vida que você deverá viver para sempre, se você for para o céu; e a vida que os santos vivem lá agora; e então não pense que o pecado, que é tão contrário a isso, não seja uma coisa tão vil e odiosa. Ou você viverá no céu, ou não. Se não, você não é um daqueles para quem eu falo. Se você for, você sabe que lá não há prática de pecado; não há mente mundana, orgulho, paixões, luxúria e prazeres carnais lá. Oh se você pudesse ver e ouvir apenas uma hora, como aqueles abençoados espíritos estão elevadamente amando e magnificando o glorioso Deus em pureza e em santidade, e quão longe eles estão do pecado, isso faria você repugnar o pecado e ver os pecadores num estado de extrema decadência como homens nus nadando em seus excrementos. Especialmente, pensar que vocês têm esperança de viver para sempre com aqueles santos espíritos; e, portanto o pecado será desgostoso para você. 

VIII. Orientação Olhe para o estado e tormento dos condenados, e pense bem na diferença entre anjos e demônios, e aí saberá o que é o pecado. Anjos são puros; demônios são sujos; santidade e pecado são extremos. Pecado habita no inferno, e santidade no céu. Lembre-se que toda tentação vem do diabo, para fazer você ser como ele; e toda santa disposição vem de Cristo, para fazer você como Ele. Lembre-se que quando você peca, você está aprendendo e imitando o diabo, e está até agora sendo como ele (João 8:44). E o fim de tudo isso é que você sinta também os sofrimentos dele. Se o inferno de fogo não é bom, então o pecado não é também.

IX. Orientação Sempre veja o pecado como alguém que está pronto a morrer e considere como todo homem o julga no final. O que os homens no céu dizem a respeito do pecado? O que os homens no inferno dizem a respeito do pecado? E o que os homens à beira da morte dizem a respeito do pecado? E o que as almas convertidas e as consciências despertadas dizem? O pecado traz deleite e é algo que eles não temem como é agora? Eles o aplaudem? Irão alguns deles falar bem do pecado? Porém, todo mundo fala mal do pecado em geral agora, mesmo quando eles amam e cometem diversos atos; Você irá pecar quando estiver à beira da morte?

 X. Orientação Sempre veja o pecado e o julgamento juntos. Lembre-se que você terá que responder por isso diante de Deus, dos anjos, e de todo o mundo; e você o conhecerá melhor. 

XI. Orientação Olhe para a doença, pobreza, vergonha, desespero, podridão e morte na sepultura; e isso vai te ajudar um pouco a entender o que é o pecado. Estas são coisas que estão diante de ti e em seus sentimentos; você não precisa de fé para entendê-las. E por tais efeitos você poderá entender um pouco da sua causa.

 XII. Orientação Olhe para algumas pessoas santas e eminentes sobre a terra e para o louco, profano e maligno mundo. E a diferença vai te dizer em parte o que é o pecado. Não há afabilidade numa pessoa santa e irrepreensível, que vive em amor para com Deus e para com as pessoas, e na alegre esperança da vida eterna? Não é um abominável beberrão, promíscuo, blasfemador, malicioso, perseguidor, uma criatura muito repugnante e deformada? Não é uma visão muito miserável o estado ímpio, louco, confuso e ignorante deste mundo? Não é nisso tudo em que o pecado consiste? 

 Embora a principal parte da cura seja fazer com que a vontade odeie o pecado, e isso é feito descobrindo sua malignidade; eu ainda adicionarei mais algumas orientações para a parte prática, supondo que o que já foi dito tenha causado efeito. 

I. Orientação Quando você descobrir a sua enfermidade e perigo, se entregue a Cristo como o Salvador e médico de almas, e para o Espírito Santo como seu Santificador, lembrando que ele é suficiente e disposto a fazer o trabalho que Ele mesmo prometeu fazer. Não são vocês que devem salvar e santificar a vocês mesmos (a não ser que vocês façam isso através de Cristo). Mas aquele que assumiu fazê-lo, o faz para a sua glória. 

II. Orientação Você deve estar preparado a ser obediente em aplicar os remédios que Cristo prescreveu a você; e observando as Suas orientações para que haja cura. Não seja tímido ou fraco dizendo que é muito amargo e muito dolorido; mas confie em Seu amor e no Seu cuidado; pegue aquilo que Ele te prescreveu ou te deu e não adicione mais nada. Não diga: “É muito penoso, e eu não consigo”. Porque o que Ele te ordena é seguro, proveitoso, e necessário; e se você não consegue, tente então carregar sobre você sua enfermidade, morte e o fogo do inferno! São a humilhação, confissão, restituição, mortificação e a santa diligência piores que o inferno? 

III. Orientação Veja que você não tome parte com o pecado, nem dispute ou lute contra seu Médico, ou com qualquer coisa que lhe faça bem. Justificar o pecado, ir em direção a ele e subestimá-lo, lutar contra o Espírito e a consciência, ir contra os ministros e amigos piedosos, odiando a disciplina; estes não são os meios pelos quais você será curado e santificado. 

IV. Orientação Veja aquela malignidade em cada um dos seus pecados particulares, que você pode ver e dizer que é generalizada. É um grotesco engano de vocês mesmo, se você vai falar muito do mal do pecado e não ver nenhuma malignidade em seu orgulho, em seu mundanismo, paixões e perversidades, em sua malícia e severidade, em suas mentiras, maledicências, escândalos, ou pecando contra a consciência por comodidade e segurança mundana. Que contradição é um homem orar e agravar seu pecado, e quando ele é reprovado por isso, tentar se esquivar ou justificar-se. É como se ele fosse falar contra a traição e contra os inimigos do rei, mas porque os traidores são os seus amigos e parentes, irá proteger ou escondê-los e tomar parte com eles. 

V. Orientação Mantenha-se o mais longe que puder das tentações que alimentam e fortalecem o pecado que você dominaria. Ponha um cerco em seus pecados e os deixe morrer de fome afastando a comida e o combustível que o mantém vivo. 

VI. Orientação Viva no exercício das graças e deveres que são contrários ao pecado que você está mais em perigo. Pois a graça e o dever são contrários ao pecado, isso o mata e nos cura, como o fogo nos cura do frio ou como a saúde nos cura da doença. 

VII. Orientação Não seja enfraquecido ouvindo a incredulidade e a desconfiança, e não jogue fora os confortos de Deus, pois eles são sua força e podem te encorajar. Não é assustador, deprimente, nem desesperadamente desencorajador, estar apto a resistir ao pecado; mas o senso do amor de Deus e o senso de gratidão da graça recebida é um grande encorajamento (com temor cauteloso). 

VIII. Orientação Sempre suspeite do amor carnal próprio, fique atento a isso. Pois essa é a fortaleza onde o pecado se esconde, e é também o seu patrono; sempre pronto para te arrastar para o pecado e para justificá-lo. Nós somos sempre muito propensos a sermos parciais em nosso próprio caso; como no caso de Judá com Tamar e Davi quando Natã o reprovou em sua parábola; isso mostra nossas próprias paixões, nosso próprio orgulho, nossa própria censura, nossa própria maledicência, nossas relações prejudiciais, nossa negligência nos deveres; estas coisas para nós parecem pequenas, desculpáveis, senão justificáveis. Considerando que poderíamos ver facilmente a culpa disso tudo nos outros, especialmente em um inimigo, deveríamos estar ainda mais familiarizado conosco e deveríamos amar mais a nós mesmos e, portanto odiando mais ainda nossos próprios pecados.

 IX. Orientação Considere seu primeiro e principal trabalho matar o pecado em sua raiz; limpar o coração, que é a fonte; pois é do coração que vem todo o mal em nossa vida. Saiba quais são as principais raízes; e use o seu maior cuidado e diligência para mortificá-las, especialmente as seguintes: 1) Ignorância. 2) Incredulidade. 3) Inconsideração. 4) Egoísmo e orgulho. 5) Carnalidade, em agradar um apetite, luxúria e fantasia selvagens. 6) Insensibilidade, dureza de coração e sonolência no pecado. 

X. Orientação Conte o mundo todo e todos os seus prazeres; honras e riquezas não são melhores do que aparentam ser; assim satanás não vai conseguir encontrar iscas para te pegar. Como Paulo, considere tudo como esterco (Fp. 3:8) e nenhum homem irá pecar e vender sua alma, pois ele conta estas coisas como esterco. 

XI. Orientação Mantenha-se em conversas celestiais, e então sua alma estará sempre na luz, assim como aos olhos de Deus; e ocupe-se com aqueles afazeres e deleites que o livram do prazer com as iscas do pecado. 

XII. Orientação Que seu trabalho diário seja ser um cristão vigilante; embora haja distração e um medo desencorajador, nutra a perseverança. 

XIII. Orientação Preste atenção no começo do pecado e suas primeiras abordagens. Oh quão grande diferença faz um pouco desse fogo aceso! E se você cair, levante rápido através de um profundo arrependimento, não importando o quanto isso pode te custar. 

XIV. Orientação Faça do seu único labor e regra diligente o entender a Palavra de Deus. 

XV. Orientação Em casos de dúvidas, não se aparte facilmente do julgamento unânime da maioria dos sá- bios e piedosos de todas as épocas. 

XVI. Orientação Não seja precipitado nem aja por emoções, mas proceda deliberadamente e prove bem todas as coisas antes de se firmar nelas. 

XVII. Orientação Esteja familiarizado com a sua temperatura corporal e em quê o pecado é mais inclinado a você, e também em que situação o pecado te deixa mais vulnerável, e nisso você deve ser mais rigoroso. 

 XVIII. Orientação Mantenha sua vida em ordem santa, tal como Deus ordenou que você vivesse. Pois não há preservação para os retardatários que não se mantém no caminho, que abandonaram a ordem e o mandamento de Deus. E esta ordem está principalmente nestes pontos: 1) Que você mantenha união com a universal igreja. Não esteja separado do corpo de Cristo sobre qualquer pretensão que seja. Esteja na igreja como um regenerado, mantendo a comunhão espiritual em fé, amor e santidade; como um congregado, mantendo a comunhão externa, na profissão de fé e na adoração. 2) Se vocês não são mestres, vivam sob seus fiéis pastores como obedientes discípulos de Cristo. 3) Que os mais piedosos, se possível, sejam seus amigos íntimos. 4) Seja esforçado em algum chamado externo. 

XIX. Orientação Coloque todas as providências de Deus, quer a prosperidade ou adversidade, contra seus pecados. Se ele te der saúde e prosperidade, lembre-se que por meio disso Ele requer sua obediência e tem um chamado especial para você. Se Ele te afligir, lembre-se que pode ser algum pecado pelo qual Ele está ofendido; portanto, agarre isso como Seu remédio e veja que você não obstrua essa obra, mas seja diligente, pois isso pode purgar seu pecado.

 XX. Orientação Espere pacientemente em Cristo até que ele tenha realizado a cura, que não acabará até que essa árdua vida chegue ao fim. Persevere na assistência do Seu Espírito e dos Seus meios; pois Ele virá no tempo certo e não tardará. “Conheçamos e prossigamos em conhecer ao Senhor; como a alva, a sua vinda é certa; e ele descerá sobre nós com a chuva serôdia que rega a terra” (Os. 6:3). Ainda que você diga: “Não há cura para nós” (Jr. 14:19) “Eu curarei sua infidelidade, eu de mim de mesmo os amarei” (Os. 14:4). “Mas para vós outros que temeis o meu nome, nascerá o sol da justiça, trazendo curas nas suas asas” (Ml. 4:2) “e bem-aventurado todos os que nele esperam” (Is. 30:18). Deste modo, eu dei algumas orientações que podem ser úteis para o ódio ao pecado, humilhação e libertação dele. 

Fonte: http://www.puritansermons.com/baxter/baxter16.htm

Voltemos ao Evangelho 
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                        EMOÇÕES E EQUILIBRIO                                   

 Jonathan Edwards

(i) Aprendemos quão grande erro é rejeitar todas as emoções espirituais como se não houvesse nada de sólido nelas. Este erro pode surgir após um avivamento religioso. Tendo em vista que as emoções vivas de tantas pessoas parecem desaparecer completamente tão depressa, as pessoas começam a desprezar todas as emoções espirituais, como se o cristianismo não tivesse nenhuma relação com elas.
 O outro extremo é ver todas as emoções religiosas vigorosas como sinais de conversão verdadeira, sem inquirir sobre a natureza e fonte dessas emoções. Se as pessoas simplesmente parecem ser muito calorosas e cheias de loquacidade espiritual, os outros concluem que devem ser cristãos piedosos.

Satanás tenta nos empurrar de um extremo ao outro. Quando ele vê que emoções estão na moda, ele semeia seu joio entre o trigo; mistura emoções falsas com a obra do Espírito de Deus. Desse modo ele ilude e arruína eternamente a muitos, confundindo os verdadeiros crentes e corrompendo o cristianismo. Entretanto, quando as más conseqüências dessas emoções falsas se tornam aparentes, satanás muda sua estratégia. Tenta agora persuadir as pessoas que todas as emoções espirituais são inúteis. Desse modo, procura fechar tudo o que for espiritual para fora de nossos corações, e transformar o cristianismo num formalismo sem vida.

O correto é não rejeitar todas as emoções, nem aceitá-la todas, e sim, diferenciá-las. Deveríamos aprovar algumas e rejeitar outras. Temos que separar o trigo do joio, o ouro da impureza e o precioso do sem valor.

(ii) Se a verdadeira religião repousa de tal maneira em nossas emoções, deveríamos dar muito valor àquilo que produz essas emoções em nós. Deveríamos desejar o tipo de livro, pregação, oração e cântico que afetarão nossos corações profundamente.

Não me interpretem mal. Estas coisas podem às vezes despertar as emoções de pessoas fracas e ignorantes sem lhes fazer qualquer bem à alma; isto porque é possível para estas coisas excitarem emoções que não são espirituais e santas. Deve haver uma apresentação clara e uma compreensão correta da verdade espiritual em nossos livros religiosos, nossas pregações, nossas orações e nossos cânticos. Sendo este o caso, quanto mais tocarem nossas emoções, melhor serão.

(iii) Se a verdadeira religião consiste em grande parte em nossas emoções, temos razão em nos envergonhar por não sermos mais influenciados pelas realidades espirituais.

Deus nos deu emoções para o mesmo propósito que todas as outras capacidades que possuímos, isto é, para servir ao fim principal do homem, sua relação com Deus. Todavia, como é comum que as emoções humanas se ocupem de tudo, exceto realidades espirituais! Em assuntos dos interesses mundanos das pessoas, seus prazeres externos, sua reputação, e suas relações naturais - nestas coisas, seus desejos anseiam, seu amor é quente e seu zelo é ardente.

No entanto, como a maioria das pessoas é insensível e indiferente quanto às coisas espirituais! Aqui seu amor é frio, seus desejos são morosos, sua gratidão pequena. Podem sentar e ouvir sobre o amor infinito de Deus em Jesus Cristo, a morte em agonia de Cristo pelos pecadores, e salvação pelo Seu sangue do fogo eterno do inferno, para as alegrias inexprimíveis do céu - e permanecem frias, sem resposta, desinteressadas! O que mais poderia mover nossas emoções, senão estas verdades? Coisa alguma poderia ser mais importante, mais maravilhosa ou mais relevante? Poderia algum cristão nutrir o pensamento que o glorioso evangelho de Jesus Cristo não moveria e excitaria as emoções humanas?

Deus planejou nossa redenção para que revelasse todas as maiores verdades de modo mais intenso e tocante. A personalidade humana e a vida humana de Jesus revelam a glória e beleza de Deus na forma mais comovente imaginável. Assim como a cruz mostra o amor de Jesus pelos pecadores do modo mais comovente, também revela a natureza odiosa de nossos pecados de modo muito tocante, pois vemos o terrível efeito que nossos pecados tiveram em Jesus, ao sofrer por nós. Na cruz também vemos a revelação mais impressionante do ódio de Deus pelo pecado, e Sua justiça e ira ao puni-lo. Mesmo sendo Seu próprio e infinitamente amado Filho que tomou o nosso lugar, Deus abateu-O com a morte. Quão rigorosa é a justiça divina, rigorosa e quão horrível a sua ira! Daí, então como deve ser grande a nossa vergonha, visto que estas coisas não nos atingem mais!